segunda-feira, 25 de julho de 2011

Estrogonofe de filet mignon ou picadinho de alcatra, eis a questão?

Estrogonofe de filet mignon ou picadinho de alcatra, eis a questão?

O caso foi polêmico, mesmo assim ninguém deixou de comer, lamber os beiços e repetir o tal do estrogonofe servido para 12 pessoas reunidas em família. Acontece que minha sobrinha recém-casada hospedou todo mundo em sua casa, tia, tio, pai, mãe, cinco primos, avó, cunhado e irmã com um bebezinho de colo que nem provou do prato em discussão. O cardápio para comemorar o aniversário de sua mãe, minha irmã, foi definido pela anfitriã.  Os primos não foram oficialmente convidados, mas chegaram de algum modo; provavelmente contavam com a singular forma de hospedar bem, atributo reservado para alguns da família. O contexto de carnívoros era reforçado pela postura inalterável do meu cunhado, grande devorador de carnes mal passadas e bom fazedor de churrascos suculentos. Para garantir o padrão de qualidade, ele se achegou à cozinha e fez o check-up. Dessa vez focou o pedaço de boi esquartejado em pequenos pedaços na bandeja de isopor, tal qual saíra do supermercado. Como todo infalível investigador forense, ele questionou: “É filet mignon”? A filha, já sabendo do rigor do pai em questões de carne, justificou: “É alcatra, o filet estava o triplo do preço!”. Para um especialista tal resposta não procede. “Se não for filet mignon isso não é estrogonofe”. Outra voz se fez ouvir atestando a do cacique, desta vez a da aniversariante: “Então se não é estrogonofe, é picadinho!”. Daí começou a discussão: é ou não é estrogonofe? Sob o ataque da desfeita, a sobrinha encontrou escrito na caixa do creme leite uma receita cujo título em caixa alta confirmava a sua escolha, ESTROGONOFE DE ALCATRA. Com risos que comprovavam a sua escolha, ela trouxe a Nestlé como autoridade. Entretanto, o caso não se encerrara aí. O cunhado da dona da festa recorreu à tese fundamentada em seus dotes culinários ainda desconhecidos: “O filet mignon promove o corte em pedaços maiores e seu cozimento rápido dá outra textura e sabor ao prato”, e assim se fez somar aos adeptos do picadinho. Sua esposa em fase de amamentação, e também minha sobrinha, alegou ter sentido gosto de sabão na carne, mas não no molho.  Salvo o molho, a versão detergente estabeleceu a última palavra mesmo que sem a presença desnecessária do juiz. A voz da tradição falou mais forte e não suportou a tentativa da mudança. A insustentável presença da alcatra no molho de tomate bem temperado com creme de leite não promoveu o prato à categoria de estrogonofe, nem mesmo em tempos modernos, em que há espaço para a diversidade e da coexistência do estrogonofe de carne bovina com outros diferentes de sua espécie, a propor o estrogonofe de frango, o de camarão e até mesmo o vegan. A “flexibilização” não possibilitou a quebra dos costumes estabelecidos. Eu da minha parte me lambuzei, adorei o molhinho, o arroz, a salada, o momento e confesso que sou simpatizante da alcatra que, cá entre nós, vem se tornando ou já se tornou, à sombra de uma inflação tácita, um artigo de luxo.

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